A lenda do dilúvio, que encontramos em Gênesis: VII e VIII são uma dessas passagens bíblicas que só podem ser tomadas ao pé da letra pelo FANATISMO e a IGNORÂNCIA. Pouco importa que durante séculos as religiões cristãs, com seus doutores e sacerdotes, tenham sustentado a realidade literal dessa lenda. A verdade histórica é apenas esta: a lenda do dilúvio corresponde a um dos arquétipos mentais atualmente estudados pela psicologia profunda. Os estudos de Karl Jung a respeito são bastante esclarecedores. Mas o arquétipo coletivo, que corresponde no plano social aos complexos psicanalíticos do plano individual, não é uma abstração.
Pelo
contrário, é uma realidade psíquica enraizada nos fatos concretos. O dilúvio
bíblico, por isso mesmo, tem duas faces: uma é a realidade histórica, a
ocorrência real da catástrofe; outra é a interpretação alegórica, enraizada no
arquétipo coletivo e que o texto sagrado nos oferece.
O Livro dos
Espíritos explica o problema do dilúvio através dessas duas faces, a real e a
lendária. É o que vemos nos seu item 59, nas "Considerações e
Concordâncias Bíblicas referentes à Criação", que se podem resumir nestas
palavras: "O dilúvio de Noé foi uma catástrofe parcial, que se tomou pelo
cataclismo geológico". Aliás, essa afirmação de Kardec foi posteriormente
confirmada pelas investigações científicas. O arqueólogo inglês sir Charles
Leonardo Woolley descobriu ao norte de Basora, próximo ao Golfo Pérsico, ao
dirigir escavações para a descoberta dos restos da cidade de Ur, as camadas de
lama do dilúvio mencionado na Bíblia.
Pesquisas
posteriores completaram a descoberta. O dilúvio parcial do delta dos rios Tigre
e Eufrates é hoje uma realidade atestada pela Ciência. Foi esse dilúvio, ou
seja, essa inundação parcial, que serviu de motivo histórico para a lenda
bíblica.
Como acentua
Kardec, nada perdeu com isso a Bíblia, nem a Religião. Mas ambas são diminuídas
quando o fanatismo insiste em defender um absurdo, quando teima em dizer que
Deus afogou o mundo nas águas de uma chuva de quarenta dias e fez Noé
salvar-se, com a própria família e as privilegiadas famílias dos animais de
cada espécie existente, para que a vida pudesse continuar na Terra. Sustentar
como realidade histórica a figuração ingênua de uma lenda, conferindo-lhe ainda
autoridade divina, é ridicularizar o sentimento religioso e minar as bases da
concepção espiritual do mundo. Foi esse processo infeliz de ridicularização que
levou o nosso tempo ao materialismo e à descrença que hoje o dominam.
Que diriam
os fanáticos da "palavra de Deus" ao saberem que o dilúvio bíblico
tem por antecessores o dilúvio babilônico de Gilgamesch, historicamente chamado
de "o Noé babilônico", e o dilúvio grego de Deucalião? O Espiritismo
esclarece esse problema, mostrando que o "arquétipo coletivo" de
dilúvio é responsável pelo seu aparecimento em diversos capítulos da História
das Religiões, e até mesmo na pré-história, entre os povos selvagens. É esse um
dos pontos mais curiosos da psicologia das Religiões.
J. Herculano Pires
Visão Espírita da bíblia
Nenhum comentário:
Postar um comentário