(Revista Espírita, maio de 1865)
Nós vos temos dito muitas vezes que examineis as comunicações que vos
são dadas, submetendo-as à análise da razão, e que não tomeis sem exame as
inspirações que vêm agitar o vosso espírito, sob a influência de causas por
vezes muito difíceis de constatar pelos encarnados, submetidos a distrações sem
número.
As ideias puras que, por assim dizer, flutuam no espaço (segundo a ideia
platônica), levadas pelos Espíritos, nem sempre podem alojar-se sós e isoladas
no cérebro dos vossos médiuns. Muitas vezes elas encontram o lugar ocupado por
ideias preconcebidas que se escoam com o jacto de inspiração, que o perturbam e
o transformam de maneira inconsciente, é certo, mas algumas vezes de maneira
bastante profunda para que a ideia espiritual seja, assim, inteiramente
desnaturada.
A inspiração encerra dois elementos: o pensamento e o calor fluídico
destinado a aquecer o espírito do médium, dando-lhe o que chamais a verve da
composição. Se a inspiração encontrar o lugar ocupado por uma ideia
preconcebida, da qual o médium não pode ou não quer desligar-se, nosso
pensamento fica sem intérprete, e o calor fluídico se gasta em aquecer um
pensamento que não é o nosso. Quantas vezes, em vosso mundo egoísta e
apaixonado, vimos trazer o calor e a ideia! Desdenhais a ideia, que vossa
consciência deveria fazer-vos reconhecer, e vos apoderais do calor em proveito
de vossas paixões terrestres, assim por vezes dilapidando o bem de Deus em
proveito do mal. Assim, quantas contas terão que prestar um dia todos os
advogados das causas perdidas!
Sem dúvida seria desejável que as boas inspirações pudessem dominar
sempre as ideias preconcebidas, mas, então, nós entravaríamos o livre-arbítrio
da vontade do homem, e este último escaparia, assim, à responsabilidade que lhe
pertence. Mas se somos apenas os conselheiros auxiliares da Humanidade, quantas
vezes nos temos que felicitar, quando nossa ideia, batendo à porta de uma
consciência reta, triunfa da ideia preconcebida e modifica a convicção do
inspirado! Contudo, não se deveria crer que nosso auxílio mal-empregado não
traia um pouco o mau uso que dele podem fazer. A convicção sincera encontra
acentos que, partidos do coração, chegam ao coração; a convicção simulada pode
satisfazer a convicções apaixonadas, vibrando em uníssono com a primeira, mas
carrega um frio particular, que deixa a consciência insatisfeita e denota uma
origem duvidosa.
Quereis saber de onde vêm os dois elementos da inspiração medianímica? A
resposta é fácil: a ideia vem do mundo extraterreno, é a inspiração própria do
Espírito. Quanto ao calor fluídico da inspiração, nós o encontramos e o tomamos
de vós mesmos; é a parte quintessenciada do fluido vital em emanação. Algumas
vezes tomamo-la do próprio inspirado, quando este é dotado de um certo poder
fluídico (ou medianímico, como dizeis); o mais das vezes nós o tomamos em seu
ambiente, na emanação de benevolência de que ele está mais ou menos rodeado. É
por isto que se pode dizer com razão que a simpatia torna eloquente.
Se refletirdes atentamente nestas causas, encontrareis a explicação de
muitos fatos que a princípio causam admiração, mas dos quais cada um possui uma
certa intuição. Só a ideia não bastaria ao homem, se não lhe dessem a força
para exprimi-la. O calor é para a ideia o que o perispírito é para o Espírito,
o que o vosso corpo é para a alma. Sem o corpo a alma seria impotente para
agitar a matéria; sem o calor, a ideia seria impotente para comover os
corações.
A conclusão desta comunicação é que jamais deveis abdicar de vossa
razão, no exame das inspirações que vos são submetidas. Quanto mais ideias
adquiridas tem o médium, mais é ele susceptível de ideias preconcebidas; também
mais deve fazer tábula rasa de seus próprios pensamentos, depositar as
influências que o agitam e dar à sua consciência a abnegação necessária a uma
boa comunicação.
Pascal