sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Os Cavalos de Troia do Espiritismo

Os Cavalos de Troia do Espiritismo Por Artur Felipe Azevedo Segundo conta a lenda, os troianos acreditaram que um grande cavalo de madeira teria sido dado a eles de presente pelo exército grego como sinal de rendição após uma longa e sangrenta guerra. No entanto, tudo não passou de uma grande ideia de Odisseu, um sagaz guerreiro, que pensou numa maneira de entrar em Troia sem despertar a desconfiança dos inimigos troianos. Recebido com festa e júbilo, o grande cavalo na verdade abrigava dezenas de soldados em seu interior, que, já bem tarde da noite, aproveitando-se do cansaço e da ressaca provocada pelos intensos festejos troianos, saíram de seu esconderijo, abriram os portões da cidade aos outros milhares de soldados escondidos do lado de fora que tomaram a cidade, logo após saqueando-a e incendiando-a. Pois bem, nada muito diferente desta conhecida história tem ocorrido com o Movimento Espírita praticamente desde que o Espiritismo deu, na França, seus primeiros passos. Inicialmente, o Espiritismo teve de lutar contra seus inimigos externos: os materialistas, os chefes da Igreja, e os céticos em geral, todos interessados em destruí-lo, ou por vê-lo como uma ameaça aos seus interesses de domínio e poder, ou por mero escárnio e aversão à reforma ético-moral que a mensagem espírita trazia, desde o princípio, em sua filosofia. No entanto, a maior luta que o Espiritismo teve e tem travado tem sido contra seus inimigos internos, ou seja, aqueles que dizem ocupar suas fileiras, mas que, na verdade, tais quais os gregos, nada mais intentam, conscientemente ou não, que destruí-lo. O Primeiro de Todos O primeiro cavalo de troia inoculado, tal qual um vírus letal, em nosso meio, foram as ideias docetistas, ressuscitadas por um certo advogado bordelense chamado J.-B. Roustaing com a colaboração de uma (única) médium chamada Emillie Collignon, que pensaram poder solapar a obra kardequiana de uma só vez através de ditados mediúnicos supostamente advindos dos evangelistas Mateus, Marcos, João e Lucas, sob a também suposta coordenação do Espírito Moisés. De posse de tais suspeitas comunicações, eivadas de erros crassos e ideias absurdas, de forte influência do pensamento católico, Roustaing compilou a obra"Os Quatro Evangelhos – Espiritismo Cristão, ou Revelação da Revelação", que publicou em 1866, a qual foi imediatamente contestada por Allan Kardec. Com a negativa de Kardec de aceitar prontamente o inteiro teor da referida obra, Roustaing e seus partidários duramente atacaram o Codificador nas páginas suprimidas do prefácio de "Os Quatro Evangelhos", de 1920, com ironia e desdém, acusando o codificador de ser o "chefe", o "mestre" de uma "igrejinha com seus corrilhos, entregue a lutas liliputianas". Ficava, pois, evidente, conforme muito claramente explica Sérgio Aleixo em sua obra "O Primado de Kardec","... a patente rivalidade, a exagerada conta em que Roustaing e seus discípulos tinham sua própria "escola", supostamente tão superior à de Kardec a ponto de poder substituí-la. Àquela época, o cisma rustenista era confesso. Proclamavam: "Cismas há atualmente; ninguém tem o poder de impedi-los". Nos dias de hoje, as ideias rustenistas, apesar da pouca vendagem e penetração de sua supra-citada obra basilar, estão presentes em obras editadas pela FEB -Federação Espírita Brasileira, tais como os best-sellers "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", "O Consolador" e "Voltei", além de outras menos conhecidas, porém não menos perigosas "obras-primas" do pensamento neo-docetista, como "Elucidações Evangélicas", "Elos Doutrinários", "A Vida de Jesus", "O Cristo de Deus", entre outras. O conjunto de teses antidoutrinárias defendidas pelo roustainguismo (ou rustenismo) incluem, por exemplo: 1- A crença que Jesus teria revestido um corpo fluídico e nascido de uma virgem, tornada grávida apenas aparentemente; 2- A defesa da metempsicose, i.é, que o espírito possa reencarnar na condição de animal, mais especificamente como "larvas informes” e chamadas "criptógamos carnudos", "uma massa quase inerte, de matérias moles e pouco agregadas, que rasteja ou antes desliza, tendo os membros, por assim dizer, em estado latente". (Os Quatro Evangelhos, 1.º vol., n. 57 a n. 59, p. 307-313.); 3- A antidoutrinária tese de que "a encarnação humana não é uma necessidade, é um castigo; [...] em princípio, é apenas consequente à primeira falta, àquela que deu causa à queda". (Os Quatro Evangelhos, 1.º vol., n. 59, p. 317 e 324.) O Ramatisismo Não muito diferentemente da estratégia rustenista, o Ramatisismo trouxe antigas ideias do antigo espiritualismo oriental travestidas de novidades, desta feita explorando a tendência místico-esotérica, em lugar das teses do Catolicismo Romano e de seitas cristãs dos primeiros séculos depois de Cristo defendidas por Roustaing e seus adeptos. Igualmente valendo-se de um único médium, o advogado e contador curitibano Hercílio Maes, de formação teosofista, o espírito Ramatis que, segundo alguns, aparece vestindo um turbante com uma esmeralda e uma túnica ao estilo hindú, defende um certo "universalismo eclético", capaz, segundo ele, de enriquecer o corpo doutrinário espírita. Alegando ter fundado santuários iniciáticos no século X na China e na Índia, teria desencarnado ainda moço. Alega também ter tido posições de destaque na mitológica Atlântida, no antigo Egito e na Grécia, além de ter convivido com Jesus e Kardec. Com base nessa suposta ligação com o primeiro, ditou o livro "O Sublime Peregrino", com o qual intenta descrever detalhes da passagem do Cristo pelo planeta, na tentativa de passar ao leitor autoridade e conhecimento. Seguindo a mesma estratégia de convencimento, dita ainda a obra "A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores", que passa a ser coqueluche nos idos de 1950, justamente quando surgem os primeiros filmes sobre ETs e vida em outros planetas. Seu minucioso relato sobre a vida e a topografia marcianas, no entanto, sofre duro abalo, já que, anos depois, sondas não-tripuladas chegam ao planeta e descrevem uma paisagem inteiramente diferente àquela constante da referida obra. Embora não se auto-intitule "espírita", Ramatis procura incutir ao leitor a noção de que se encontra acima daquilo que chama de "rótulos" e "convenções humanas", ao mesmo tempo que seus ditados, estranhamente, se destinam quase que exclusivamente ao leitor espírita. Ousadamente, Ramatis chega a afirmar que o Espiritismo naufragará, caso seus adeptos relutem em aceitar os elevados princípios e ensinos do espiritualismo oriental. Por conta disso, os centros ramatisistas, boa parte ostentando o nome "espírita" em suas fachadas, veiculam conceitos e práticas estranhas ao Espiritismo, embora digam seguir Kardec, além de Jesus e, claro, o próprio Ramatis, alçado à condição de última palavra em termos de revelação espiritual. Onde está a concordância? Aprendemos em "O Livro dos Médiuns" que os Espíritos Superiores jamais se contradizem. Levando-se em conta tal premissa, logo chegamos à conclusão que, entre Roustaing e Ramatis, pelo menos um deles está errado, já que essas duas "escolas" defendem princípios completamente divergentes entre si. Ramatis, inclusive, chega a afirmar que a principal tese rustenista, a do corpo fluídico de Jesus, "é ainda um reflexo dos efeitos seculares adstritos aos dogmas, milagres, mitos e tabus copiados da vida de diversos precursores de Jesus" (O Sublime Peregrino, Cap. VII, A natureza do Corpo de Jesus). Não obstante, lança sua própria tese de que Jesus fora discípulo dos essênios, tendo aprendido com eles, e que, ao mesmo tempo, foi médium do Cristo, "uma entidade espiritual arcangélica", algo que, em momento algum, encontramos em Roustaing. Portanto, vemos aí uma batalha ideológica entre espíritos unicamente interessados em fazerem prevalecer suas ideias e opiniões isoladas, com as quais acabam por provocar a cizânia, a divisão e a desinteligência nas fileiras espíritas que, teoricamente, deveriam manter-se fiéis, por mera questão de coerência, ao Espiritismo e à Codificação Espírita, conjunto de obras que passaram pelo crivo da universalidade e concordância, além de terem sido supervisionadas pelo insígne e autêntico missionário Allan Kardec, cujas credenciais todos conhecemos e das quais possuímos inúmeros exemplos positivos e factuais. Conclusão Muitos indagam como podem os Espíritos Superiores, ou mesmo Deus, permitirem que certos espíritos, encarnados e desencarnados, alcancem (parcial) sucesso em suas empreitadas, com as quais enganam a tantos. A resposta também encontramos na Codificação, repositório de múltiplos alertas a respeito da ação dos espíritos pseudossábios e mistificadores que pululam na atmosfera espiritual terrena: P.:(...)"Mas como os Espíritos elevados permitem a Espíritos de baixa classe usarem nomes respeitáveis para semear o erro através de máximas muitas vezes perversas?" R.: — "Não é com a sua permissão que o fazem. Isso não acontece também entre vós? Os que assim enganam serão punidos, ficai certos disso, e a punição será proporcional à gravidade da impostura. — Aliás, se não fosseis imperfeitos só teríeis Espíritos bons ao vosso redor. Se sois enganados, não o deveis senão a vós mesmos. Deus o permite para provar a vossa perseverança e o vosso discernimento, para vos ensinar a distinguir a verdade do erro. Se não o fazeis é porque não estais suficientemente elevados e necessitais ainda das lições da experiência." Outros tantos também se confundem por encontrarem boas coisas nos ditados desses espíritos. Tal questão é também esclarecida na Codificação: P.: 11. As comunicações espíritas ridículas são às vezes entremeadas de boas máximas. Como resolver essa anomalia, que parece indicar a presença simultânea de Espíritos bons e maus? — Os Espíritos maus ou levianos se metem também a sentenciar, mas sem perceberem bem o alcance ou a significação do que dizem. Todos os que o fazem entre vós são homens superiores? Não, os Espíritos bons e maus não se misturam. É pela constante uniformidade das boas comunicações que reconhecereis a presença dos Espíritos bons." É bom que ressaltemos que nem sempre tais espíritos estão de má-fé: P.: 12. Os Espíritos que induzem ao erro estão sempre conscientes do que fazem? — "Não. Há Espíritos bons, mas ignorantes; podem enganar-se de boa fé. Quando tomam consciência da sua falta de capacidade eles a reconhecem e só dizem o que sabem." Foi, no entanto, o Espírito Erasto que nos trouxe o alerta mais direto sobre a ação dessa classe de espíritos em 1862, na cidade de Bordéus (onde residia Roustaing), Paris, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, apontando os "falsos profetas da erraticidade", ou seja, "Espíritos orgulhosos que, aparentando amor e caridade, semeiam a desunião e retardam a obra de emancipação da Humanidade, lançando-lhe através seus sistemas absurdos, depois de terem feito que seus médiuns os aceitem. E, para melhor fascinarem aqueles a quem desejam iludir, para darem mais peso às suas teorias, se apropriam, sem escrúpulos, de nomes que só com muito respeito os homens pronunciam. "São eles que espalham o fermento dos antagonismos entre os grupos; que os impelem a isolarem-se uns dos outros, a olharem-se com prevenção. Isso, por si só, bastaria para os desmascarar, pois, procedendo assim, são os primeiros a dar o mais formal desmentido às suas pretensões. Cegos, portanto, são os homens que se deixam cair em tão grosseiro embuste..." E conclui o sábio Espírito, dizendo: "- É incontestável que, submetendo ao crivo da razão, da lógica todos os dados e todas as comunicações dos espíritos, fácil se torna rejeitar a absurdidade e o erro. Pode um médium ser fascinado, pode um grupo ser iludido; mas, a verificação severa a que procedam os outros grupos, a ciência adquirida, a elevada autoridade moral dos diretores de grupos, as comunicações que os principais médiuns venham a receber, com um cunho de lógica e de autenticidade dos melhores Espíritos, rapidamente condenarão esses ditados mentirosos e astuciosos, que emanam de uma turba de Espíritos mistificadores ou maus". ("O Evangelho segundo o Espiritismo",Cap.XXI,itens X,l) E, por fim, perguntamos a todos: onde estão os falsos profetas da erraticidade, já que tudo quanto é ditado escrito por via mediúnica é aceito prontamente pelo Movimento Espírita como sendo advindo da Espiritualidade Superior, sem qualquer análise e critério, e logo encaminhadas para publicação?Por que a aceitação pura e simples de qualquer mensagem, sendo que sabemos que, no mundo dos espíritos, tanto os bons quanto os maus podem se comunicar? Ou seguimos o critério kardequiano de análise das mensagens, seguido de um retorno à divulgação e estudo rigoroso e sério das obras da Codificação Espírita, ou então continuaremos a testemunhar a entrada dos cavalos-de-troia através de nossos muros, aproveitando-se da incúria e da ingenuidade de muitos que, mesmo sabendo do perigo iminente, fecham os olhos confiando unicamente naquilo que chamam de "providência divina", esquecendo-se das responsabilidades a nós confiadas. Cabe, pois, aos espíritas verdadeiros, cuidarem para que o Movimento Espírita não se desvie pelas sendas do erro e da divisão, tal qual aconteceu com o Cristianismo, hoje tornado uma autêntica colcha de retalhos. O Espiritismo é um só: aquele contido nas obras kardecianas, sem enxertias e adulterações, tal qual um todo monolítico e capaz de responder às mais graves questões espirituais por ainda muito, muito tempo. Fonte:http://espiritismoxramatisismo.blogspot.com.br/2010/05/os-cavalos-de-troia-do-espiritismo.html

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Formação dos médiuns

É comum as casas espíritas brasileiras disporem, nos dias atuais, de estudo regular da Doutrina Espírita, destinado ao esclarecimento dos futuros trabalhadores espíritas, até mesmo para os que demonstram possuir vinculações com a área da mediunidade. Tal atividade tem como base ensinamentos fornecidos por Espíritos superiores que destacam a importância do conhecimento doutrinário. Assim, em O Livro dos Médiuns, Segunda parte, capítulo XVII, Allan Kardec transmite importantes orientações, fundamentais à formação de médiuns, de grande valia para os médiuns iniciantes e para as pessoas que já se encontram integradas em um grupo mediúnico. Antes de focalizarmos as ideias desenvolvidas no capítulo supracitado, recomendamos a leitura dos capítulos anteriores, fonte de dois importantes conjuntos de esclarecimentos espíritas: 1) ação, características e consequências das manifestações físicas e intelectuais dos Espíritos – capítulos I a X; 2) classificação dos médiuns, segundo a diversidade de manifestação da faculdade mediúnica – capítulos XI ao XVI. Os principais pontos destacados por Kardec, relativos à formação dos médiuns, são indicados em seguida. Lembramos, porém, que esses pontos tiveram como referência as análises e as observações do Codificador junto aos médiuns escreventes, utilizados para ilustrar o assunto. Como saber se alguém é portador de mediunidade [...] não dispomos até hoje de nenhum meio para diagnosticar ainda que de forma aproximada, que alguém possua essa faculdade. Os sinais físicos, que algumas pessoas tomam por indícios, nada têm de infalíveis. [...] Só há um meio de comprovar sua existência: é experimentar. 1 Resumo das orientações ao médium principiante O desejo natural de todo aspirante a médium é o de poder conversar com os Espíritos das pessoas que lhe são caras; deve, porém, moderar a sua impaciência porque a comunicação com determinado Espírito apresenta muitas vezes dificuldades materiais que a tornam impossível ao principiante. Para que um Espírito possa comunicar-se, é preciso que haja relações fluídicas entre ele e o médium. [...] Só à medida que a faculdade se desenvolve é que o médium adquire pouco a pouco a aptidão necessária para pôr-se em comunicação com o Espírito que se apresente. Pode acontecer [...] que aquele com quem o médium deseje comunicar-se não esteja em condições propícias a fazê-lo, embora se ache presente, como também pode suceder que não tenha possibilidade, nem permissão para atender ao pedido que lhe é feito. Antes, pois, de pensar em obter comunicações de tal ou tal Espírito, é preciso que o aspirante se empenhe em desenvolver a sua faculdade [...]. 2 No médium aprendiz, a fé não é condição rigorosa; sem dúvida lhe secunda os esforços, mas não é indispensável; a pureza de intenção, o desejo e a boa vontade bastam. 3 Uma coisa ainda mais importante a ser observada [...], é a calma, o recolhimento que se deve ter, aliados ao desejo ardente e à firme vontade de conseguir-se o que se quer [...] uma vontade séria, perseverante, contínua, sem impaciência nem desejo febricitante. 4 O médium principiante não deve exercitar a mediunidade isoladamente, a sós: Outro meio, que também pode contribuir fortemente para desenvolver a faculdade, consiste em reunir-se certo número de pessoas, todas animadas do mesmo desejo e comungando na mesma intenção [...]. 5 Escolhos da prática mediúnica Kardec destaca um fato que, ainda hoje, é causa de vulnerabilidade aos médiuns: as relações com Espíritos moralmente inferiores, principalmente com os que conservam traços de maldade. Eis o que tem a dizer a respeito: [...] Devem [os médiuns] estar muito atentos para que tais Espíritos não assumam predomínio, porque, caso isso aconteça, nem sempre lhes será fácil desembaraçar-se deles. Este ponto é de tal modo importante [...] que, não sendo tomadas as precauções necessárias, podem-se perder os frutos das mais belas faculdades. 6 Mais adiante, retorna ao assunto, reafirmando que “se o médium deve fazer tudo para não cair sob a dependência dos Espíritos maus, mesmo que de forma involuntária, mais ainda deve fazê-lo para não cair voluntariamente”. 7 Nessas circunstâncias, a sólida base espírita do médium, associada à respeitável conduta moral, não lhe permitem dar ouvidos a ideias e informações aparentemente inócuas transmitidas por alguns Espíritos, que não têm o menor escrúpulo em assinar a comunicação com o nome de entidades veneráveis: Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos encontrados na prática do Espiritismo resultam da ignorância dos princípios desta ciência [...]. 8 O exercício mediúnico, como tudo na vida, está sujeito à lei de progresso. Nenhum médium nasce pronto, pois a mediunidade é faculdade dinâmica. Os aprendizados adquiridos pelo estudo, pela experiência e pelo esforço de perseverar no bem apresentarão os frutos, no momento propício. Nesse aspecto, é preciso considerar que os programas destinados à formação de médiuns, por melhores que sejam não são infalíveis, visto que o médium, em si, representa um universo de aprendizado, como bem acentua Kardec: [...] Embora cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que criatura alguma pode provocar à vontade. As regras da poesia, da pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores ou músicos os que não possuem o gênio dessas artes [...]. 9 Perda e suspensão da mediunidade Independentemente do gênero de mediunidade que o médium possua a faculdade “está sujeita a intermitências e a suspensões temporárias”, 10 relacionadas a vários fatores: “O uso que ele faz da sua faculdade é o que mais influi para que os Espíritos o abandonem”. 11 Doença, cansaço, peso, certas provações, obsessão são outras situações que podem dificultar ou impedir o exercício mediúnico, de forma temporária ou permanente. São ocorrências facilmente compreendidas e acatadas pelo médium esclarecido. Nessas circunstâncias, os programas de preparação de médiuns devem, necessariamente, objetivar o seu esclarecimento doutrinário e a sua melhoria moral, respectivamente com base nas lições do Espiritismo e do Evangelho. A propósito, ensina o Codificador: Ao lado dos médiuns propriamente ditos, aumenta diariamente o número de pessoas que se ocupam com as manifestações espíritas. Guiá-las em suas observações, assinalar-lhes os obstáculos que certamente encontrarão [...] iniciá-las na maneira de conversarem com os Espíritos, ensinar-lhes os meios de conseguirem boas comunicações, tal é a esfera que devemos abranger, sob pena de fazermos trabalho incompleto. 9 Referências 1 KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. P. 2, cap. 17, it. 200. 2 ______. ______. It. 203, p. 312-313. 3 ______. ______. It. 209. 4 ______. ______. It. 204. 5 ______. ______. It. 207. 6 ______. ______. It. 211, p. 320. 7 ______. ______. It. 212, p. 321. 8 ______. ______. P. 1, Introdução. 9 ______. ______. p. 14. 10 ______. ______. P. 2, cap. 17, it. 220, p. 327. 11 ______. ______. It. 220, subit. 3.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

DOUTRINA ESPÍRITA – FALTA DE FORMAÇÃO DOUTRINÁRIA

Sem a formação doutrinária, não teremos um movimento espírita coeso e coerente. E, sem coesão e coerência, não teremos Espiritismo. Essa a razão por que os Espíritos Superiores confiaram às mãos de Kardec o pesado trabalho da Codificação. Kardec teve de arcar, sozinho, com a execução dessa obra gigantesca. Só ele estava em condições de realizá-la. Depois de Kardec, o que vimos? Léon Denis foi o único dos seus discípulos que conseguiu manter-se à altura do mestre, contribuindo vigorosamente para a consolidação da Doutrina. Era, aparentemente, o menos indicado. Não tinha a formação cultural de Kardec, residia na província, não convivera com ele, mas soubera compreender a posição metodológica do Espiritismo e não a confundia com os desvarios espiritualistas da época. Depois de Denis, foi o dilúvio. A Revista Espírita virou um saco de gatos. A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas naufragou em águas turvas. A Ciência e a Filosofia Espíritas ficaram esquecidas. O aspecto religioso da Doutrina transviou-se na ignorância e no fanatismo. Os sucessores de Kardec fracassaram inteiramente na manutenção da chama espírita, na França. E, quando a Arvore do Evangelho foi transplantada para o Brasil, segundo a expressão de Humberto de Campos, veio carregada de parasitas mortais que, ao invés de extirpar, tratamos de cultivar e aumentar com as pragas da terra. Tudo isso por quê? Por falta pura e simples de formação doutrinária. A prova está aí, bem visível, no fluidismo e no obscurantismo que dominam o nosso movimento no Brasil e no Mundo. Os poucos estudiosos, que se aprofundaram no estudo de Kardec, vivem como náufragos num mar tempestuoso, lutando, sem cessar, com os mesmos destroços de sempre. Não há estudo sistemático e sério da Doutrina. E o que é mais grave, há evidente sintoma de fascinação das trevas, em vastos setores representativos que, por incrível que pareça, combatem por todos os meios o desenvolvimento da cultura espírita. Enquanto não compreendermos que Espiritismo é cultura, as tentativas de unificação do nosso movimento não darão resultados reais. Darão aproximações arrepiadas de conflitos, aumento quantitativo de adeptos ineptos, estimulação perigosa de messianismos individuais e de grupos. Flamarion, que nunca entendeu realmente a posição de Kardec, e chegou a dizer que ele fez obra um tanto pessoal, como se vê no seu famoso discurso ao pé do túmulo, teve, entretanto, uma intuição feliz quando o chamou de bom senso encarnado. Esse bom senso é que nos falta. Parece haver se desencarnado com Kardec, e volatizado com Denis. Hoje, estamos na era do contra-senso. Os mesmos órgãos de divulgação doutrinária que pregam o obscurantismo exibem pavoneios de erudição personalista, em nome de uma cultura inexistente. Porque cultura não é erudição, livros empilhados nas estantes, fichário em ordem para consultas ocasionais. Cultura è assimilação de conhecimentos e bom senso em ação. O que fazer diante dessa situação? Cuidar da formação espírita das novas gerações, sem esquecer a alfabetização de adultos. Mobral: esse o recurso. Temos de organizar o Mobral do Espírito. E começar tudo de novo, pelas primeiras letras. Mas, isso em conjunto, agrupando elementos capazes, de mente arejada e coração aberto. Foi por isso que propus a criação das Escolas de Espiritismo, em nível universitário, dotadas de amplos currículos de formação cultural espírita. Podem dizer que há contradições entre Mobral e nível universitário. Mas, nota-se, que falamos de Mobral do Espírito. A Cultura Espírita é o desenvolvimento da cultura acadêmica, é o seguimento natural da cultura atual, em que se misturam elementos cristãos, pagãos e ateus. Para iniciar-se na cultura espírita, o estudante deve possuir as bases da cultura anterior. "Tudo se encadeia no Universo", como ensina, repetidamente, O Livro dos Espíritos. Quem não compreende esse encadeamento, tem de iniciar pelo Mobral. Não há outra forma de adaptá-lo às novas exigências da nova cultura. A verdade nua e crua é que ninguém conhece Espiritismo. Ninguém, mesmo, no Brasil e no Mundo. Estamos todos aprendendo, ainda, de maneira canhestra. E se me permito escrever isto, é porque aprendi, a duras penas, a conhecer a minha própria indigência. No Espiritismo, como já se dava no Cristianismo e na própria filosofia grega, o que vale é o método socrático. Temos, antes de tudo, de compreender que nada sabemos. Então, estaremos, pelo menos, conscientes de nossa ignorância e capazes de aprender. Mas, aprender com quem? Sozinhos, como autodidatas, tirando nossas próprias lições dos textos, confiantes nas luzes da nossa ignorância? Recebendo lições de outros que tateiam como nós, mas que estufam o peito de auto-suficiência e pretensão? Claro que não. Ao menos isso devemos saber. Temos de trabalhar em conjunto, reunindo companheiros sensatos, bem intencionados, não fascinados por mistificações grosseiras e evidentes, capazes de humildade real, provada por atos e atitudes. Assim conjugados, poderemos aprender de Kardec, estudando suas obras, mergulhando em seus textos, lembrando-nos de que foi ele e só ele o incumbido de nos transmitir o legado do Espírito da Verdade. Kardec é a nossa pedra de toque. Não por ser Kardec, mas por ser o intérprete humilde que foi, o homem sincero e puro a serviço dos Espíritos Instrutores. É o que devemos ter nas Escolas de Espiritismo. Não Faculdades, nem Academias, mas, simplesmente, Escolas. O sistema universitário implica pesquisas, colaboração entre professores e alunos, trabalho conjugado e sem presunção de superioridade de parte de ninguém. O simpósio e o seminário, o livre-debate, enfim, é que resolvem, e não o magister do passado. O espírito universitário, por isso mesmo, é o que melhor corresponde à escola espírita. Num ambiente assim, os Espíritos Instrutores disporão de meios para auxiliar os estudantes sinceros e despretensiosos. A formação espírita exige ensino metódico, mas, ao mesmo tempo, livre. Foi o que os Espíritos deram a Kardec: um ensino de que ele mesmo participava, interrogando os mestres e discutindo com eles. Por isso, não houve infiltração de mistificadores na obra inteiriça, nesse bloco de lógica e bom senso, que abrange os cinco livros fundamentais de Codificação, os volumes introdutórios e os volumes da Revista Espírita, redigidos por ele durante quase doze anos de trabalho incessante. Essa obra gigantesca é a plataforma do futuro, o alicerce e o plano de um novo mundo, de uma nova civilização. Seria absurdo pensar que podemos dominar esse vasto acervo de conhecimentos novos, de conceitos revolucionários, através de simples leituras individuais, sem método e sem pesquisa. Nosso papel, no Espiritismo, tem sido o de macacos em loja de louças. E incrível a leviandade com que oradores e articulistas espíritas tratam de certos temas, com uma falsa suficiência de arrepiar, lançando confusões ridículas no meio doutrinário. Temos de compreender que isso não pode continuar. Chega de arengas melífluas nos Centros, de oratória descabelada, de auditórios basbaques, batendo palmas e palavreado pomposo. Nada disso é Espiritismo. Os conferencistas espíritas precisam ensinar Espiritismo - que ninguém conhece - mas para isso precisam primeiro aprendê-lo. Precisamos de expositores didáticos, servidos por bom conhecimento doutrinário, arduamente adquirido em estudos e pesquisas. Expor os temas fundamentais da Doutrina, não é falar bonito, com tropos pretensamente literários, que só servem para estufar vaidade, à maneira da oratória bacharelesca do século passado. Esse palavrório vazio e presunçoso não constrói nada e só serve para ridicularizar o Espiritismo ante a mentalidade positiva e analítica do nosso tempo. Estamos numa fase avançada da evolução terrena. Nossa cultura cresceu espantosamente nos últimos anos e já está chegando à confluência dos princípios espíritas em todos os campos. A nossa falta de formação cultural espírita não nos permite enfrentar a barreira dos preconceitos para demonstrar ao mundo que Espiritismo, como escreveu Humberto Mariotti, é uma estrela de amor que espera no horizonte do mundo o avanço das ciências. E curiosa e ridícula a nossa situação. Temos o futuro nas mãos e ficamos encravados no passado mitológico e nas querelas medievais. Mas, para superar essa situação, temos de aprender com Kardec. Os que pretendem superar Kardec, não o conhecem. Se o conhecessem, não assumiriam a posição ridícula de críticos e inovadores do que, na verdade, ignoram. Chegamos a uma hora de definições. Precisamos definir a posição cultural espírita perante a nova cultura dos tempos novos. E só faremos isso através de organismos culturais bem estruturados, funcionais, dotados de recursos escolares capazes de fornecer, aos mais aptos e mais sinceros, a formação cultural de que todos necessitamos, com urgência. Texto de José Herculano Pires. O Mistério do Bem e do Mal. 2ª edição.