A palavra
de Deus não está na Bíblia, mas na natureza, traduzida em suas leis. A Bíblia é
simplesmente uma coletânea de livros hebraicos, que nos dão um panorama
histórico do judaísmo primitivo. Os cinco livros iniciais da Bíblia, que
constituem o Pentateuco mosaico, referem-se à formação e organização do povo
judeu, após a libertação do Egito e a conquista de Canaã. Atribuídos a Moisés,
esses livros não foram escritos por ele, pois relatam, inclusive, a sua própria
morte.
As
pesquisas históricas revelam que os livros da Bíblia têm origem na literatura
oral do povo judeu. Só depois do exílio na Babilônia foi que Esdras conseguiu
reunir e compilar os livros orais (guardados na memória) e proclamá-los em
praça pública como a lei do judaísmo, ditada por Deus
Os
relatos históricos da Bíblia são ao mesmo tempo ingênuos e terríveis. Leia o
estudante, por exemplo, o Deuteronômio, especialmente os capítulos 23 e 28
desse livro, e veja se Deus podia ditar aquelas regras de higiene simplória,
aquelas impiedosas leis de guerra total, aquelas maldições horríveis contra os
que não crêem na “sua palavra”. Essas maldições, até hoje, apavoram as
criaturas simples que têm medo de duvidar da Bíblia. Muitos
espertalhões se servem disso e do prestígio da Bíblia como “palavra de Deus”,
para arregimentar o tosquiar gostosamente vastos rebanhos.
As leis
morais da Bíblia podem ser resumidas nos Dez Mandamentos. Mas esses mandamentos
nada têm de transcendentes. São regras normais de vida para um povo de pastores
e agricultores, com pormenores que fazem rir o homem de hoje. Por isso, os
mandamentos são hoje apresentados em resumo. O Espírito que ditou essas leis a
Moisés, no Sinai, era o guia espiritual da família de Abraão, Isaac e Jacob,
mais tarde transformado no Deus de Israel. Desempenhando uma elevada missão,
esse Espírito preparava o povo judeu para o monoteísmo, a crença num só Deus,
pois os deuses da antigüidade eram muitos.
O Espiritismo
reconhece a ação de Deus na Bíblia, mas não pode admiti-la como a “palavra de
Deus”. Na verdade, como ensinou o apóstolo Paulo, foram os mensageiros de Deus,
os Espíritos, que guiaram o povo de Israel, através dos médiuns, então chamados
profetas. O próprio Moisés era um médium, em constante ligação com Iavé ou
Jeová, o deus bíblico, violento e irascível, tão diferente do deus-pai do
Evangelho. Devemos respeitar a Bíblia no seu exato valor, mas nunca fazer dela
um mito, um novo bezerro de ouro. Deus não ditou nem dita livros aos homens.
(José Herculano Pires
- Obra escrita em vida: Visão Espírita da Bíblia -