terça-feira, 8 de maio de 2012

DESLIZES OCULTOS



O LIVRO DOS ESPÍRITOS. “167. Qual o fim objetivado com a reencarnação?”
“Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isto, onde a justiça?”

Punge-te o coração o sofrimento do hanseniano lacerado, com amputações, carpindo rude expiação.
Aflige-te o espírito o obsesso emparedado nos corredores escuros do desalinho psíquico.
Angustia-te a sensibilidade o canceroso com prazo marcado na contingência carnal...
Faz-te sofrer o cerceamento social imposto ao delinqüente, que se comprometeu por infelicidade momentânea, arruinando outrem e a si mesmo infelicitando.
Constrange-te a visão do deformado físico, teratogênico ou vítima circunstancial de um desastre ou tragédia, que arrasta a ruína orgânica, em viagem de longo curso.
Suscita-te piedade o espetáculo deprimente dos órfãos ao desamparo e dos velhinhos sem agasalho, exibindo a miséria nas ruas do desconforto.
Confrange-te o peito os caídos ao relento, que fizeram dos passeios e portais rústicos de ruelas escuras o grabato de dolorosas provações.
Dói-te a patética das mães viúvas e esfaimadas e dos enfermos sem medicamentos ou, ainda, dos esquecidos pelo organismo social.
Todos são passíveis do teu melhor sentimento de amor e compunção.
Ao fitá-lo, recordas-te dos “filhos do Calvário” e evocas, naturalmente, Jesus...
Eles, porém, estes sofredores, estão em resgate, dependendo deles mesmos a felicidade para o amanhã.
Já foram alcançados pelo invencível poder da Lei Divina.
Outros há que passam distribuindo simpatia e cordialidade, merecedores, no entanto, da mais profunda comiseração.
Alguns têm o corpo jovem, e fazem dele mercadoria de preço variável na insegura balança
as emoções negociáveis.
Muitos sorriem e são tiranos da família, que esmagam impiedosamente.
Vários são disputados nas altas rodas das comunidades e vivem do fruto infeliz das drogas estupefacientes.
Diversos mantêm bordéis e aliciam jovens levianos.
Uns jogam na bolsa da usura e ludibriam corações invigilantes e arrebatados...
Outros comercializam a honorabilidade do lar ou envilecem a dignidade dos ascendentes.
Inúmeros são agiotas corteses, conquanto inescrupulosos e cruéis.
Incontáveis caluniam, amaldiçoam, apontam as falhas do próximo e, aparentemente, são justos, leais e bons.
Alçados alguns às posições invejáveis das artes, da política, das religiões são mendazes e empedernidos, delicados por profissão e criminosos disfarçados.
Uma infinidade destes, porém, ao nosso lado ou sob o nosso teto parecem nobres e honrados, sadios e corretos, mas não são..
Aqueles, os em resgate, possivelmente encontram-se arrependidos, ou, sob o látego da dor predispõem-se às tarefas de recomeço feliz, mais tarde.
Estes, como são ignorados pelas leis dos homens, desconhecidos dos magistrados, prosseguem na carreira insidiosa da loucura que os arrasta à meta do autocídio direto ou indireto.
Ludibriando sempre, esquece-se de si mesmos.
Não os esquecerá, todavia, a Lei.
O que fazem e como o fazem, o que pensam e contra quem pensam inscrevem-no, gravam-no no perispírito com rigorosa precisão, para depois...
Todas as culpas ocultas se transformarão em feridas que clamarão pelo tempo e espaço medicamentos eficazes e dolorosos.
Espoliadores dos bens divinos experimentarão o fruto da falácia e da zombaria.
Ouviram, sim, através dos tempos, os apelos da verdade e da vida.
Conheceram e sabem qual a trilha da retidão.
Podem agir com acerto.
Preferem, no entanto, assim. São os construtores do amanhã.
Ora e apiedas-te, meditando neles e nos seus crimes disfarçados e ocultos, para te acautelares.
A queda e o erro, o ato infeliz e o compromisso negativo que os demais ignoram, todos podem conduzir em silencioso calvário. É necessário, porém, o esforço para a reeducação da mente e a disciplina do espírito.
Todas as vezes que o Mestre ofereceu misericórdia e socorro a alguém no sublime desiderato do seu apostolado redentor, foi claro e severo quanto a não continuidade no erro.
Pensando nisso, dilata o amor aos sofredores, a piedade aos geradores de sofrimentos, mas cuida de não te comprometeres com a retaguarda, porquanto amanhã, diante da consciência liberta, as tuas sombras serão os fantasmas a criarem problemas contigo ante a Lei Sublime do Excelso Amor.
Joanna de Ângelis

COMPORTAMENTOS ESDRÚXULOS


A criatura humana, pela sua procedência espiritual, está equipada de recursos que lhe facultam a crença natural na imortalidade da alma. Nela predomina o atavismo da fé espontânea, que lhe constitui recurso iluminativo, provendo-lhe de ânimo para a resistência a quaisquer adversidades e infortúnios, por sentir que a existência corporal é, sem dúvida, uma experiência educacional e não a realidade em toda a sua exuberância. No entanto, à medida que envereda pelos meandros do comportamento conflitivo, elabora mecanismos de resistências contra a sobrevivência, em inquietantes tentativas de aniquilar a vida, como, se dessa forma, se pudesse evadir por definitivo do sofrimento e das frustrações. Inconscientemente, rebela-se contra os impositivos da evolução, e, guindando-se ao prazer, gostaria que as sensações tivessem uma duração indefinida, longe de responsabilidades e esforços. Nesse momento, predominam-lhe as sensações e deixa-se iludir pelas falsas alegrias que desfruta. Toda a historiografia da vida é formada na evidência da imortalidade da alma, que sempre se tem feito presente em todos os fastos do pensamento, nos diferentes povos e épocas transatas. Apesar disso, o desejo do aniquilamento, para fugir dos defeitos dos atos, despertam-lhe um sentimento utópico de negação com o qual se debate nos variados sistemas que cria, para sustentar o conceito estranho do aniquilamento da vida. Compreende-se que indivíduos de formação acadêmica, trabalhados pelos fatos palpáveis dos seus laboratórios, invistam na consumpção do ser, quando cessam os fenômenos biológicos, procurando ignorar, por sistema e hábito, a premissa do espírito como ser causal, anterior ao corpo e a ele sobrevivente. Todavia, quando religiosos buscam apoio em doutrinas de investigação parapsicológica, chegando a conclusões excludentes da interferência dos seres espirituais na vida, essa conduta surpreendente é, pelo menos, esdrúxula, porque pregando a imortalidade com apoio na teologia da sua fé, recusam-se a aceitar os fatos que a comprovam, procurando explicações materialistas para todos os fenômenos paranormais, sem se concederem a possibilidade daqueles de natureza mediúnica. Esse comportamento disfarça os conflitos que pairam nas suas mentes e as profundas frustrações que lhes assinalam a existência que lhes parece inútil, já que direcionada para doutrinas que lhes não enriqueceram o coração, nem harmonizaram as aspirações da inteligência com as propostas dos sentimentos.
Assim também procedem as pessoas que se dizem vinculadas a doutrinas espiritualistas, assinaladas pela razão, que tiveram oportunidade de investigar os fenômenos paranormais e concluíram pela presença dos seres espirituais, no entanto, agem como se o corpo lhes fosse o único bem de que dispõem, permitindo-se extravagâncias e excentricidades, quando não se entregam ao uso desordenado dos recursos do prazer, que os consomem. Além disso, quando não se permitem os mecanismos de autodestruição, agem contrariamente aos postulados imortalistas, que trabalham o caráter do ser dulcificando-o, desenvolvendo-lhe os sentimentos superiores da tolerância, da compreensão das dificuldades e limites das outras pessoas. Têm esses que assim se conduzem atitudes arrogantes, prepotentes, exibicionistas, agindo, sempre que possível, de forma contrária aos cânones espirituais de elevação. Mesmo quando se dedicam ao trabalho de transformação moral para melhor, impõem sua forma de ser, estabelecendo normas que seguem, certamente, mas que desejam transformarem método de comportamento para os demais. É sempre estranhável o comportamento do indivíduo que se diz espiritualista em geral ou espírita em particular, quando extrapola os limites do respeito aos direitos alheios, ou se torna fiscal impiedoso do seu próximo. A visão da imortalidade trabalha o íntimo do indivíduo, ensejando-lhe a superação dos instintos primitivos que o agrilhoam à inferioridade, promovendo-o a degraus mais elevados na escala do progresso. A certeza da transitoriedade orgânica faculta uma preparação continua para a vida futura, auxiliando no desapego dos bens do mundo, mas também dos tesouros do orgulho e das vaidades de toda ordem, que cedem lugar à humildade de reconhecer-se como aprendiz da vida em constante aprimoramento. A descrença tem as suas vantagens que se caracterizam pela acomodação à indiferença pelo esforço de tornar-se melhor em conhecimento, em sentimento, deixando-se arrastar pela revolta contra os Códigos da Vida e encharcando-se de pessimismo, quando não de agressividade. A morte, porém, no seu périplo de visitar todos os seres, sempre chega e arrebata, convidando, então, às tardias reflexões entre revoltas e desesperos que se anestesiam nas futuras reencarnações silenciosas do sofrimento. São assim tratados todos aqueles que da vida, somente esperam recompensas e tripudiam sobre os elevados sistemas de preservação dos valores espirituais. Agindo insensatamente, embora as advertências que lhes chegam de todo lado estabelecem os ditames do porvir, a eles submetendo-se para aprender a progredir, já que, incursos no programa da imortalidade, não se podem evadir de si mesmos nem do infinito curso da evolução.
Merece ainda anotação, o comportamento particular das pessoas que apelam para a negação, quando indagam: - Consideremos que haja um processo de evolução. E quando se atinge esse estado, que se passa a fazer; que acontece? Acostumadas a tudo definir, a tudo limitar, pretendem de um golpe alcançar a finalidade máxima da vida e entender o que seja perfeição nos parâmetros dos seus particulares conceitos de finalismo, de gozo, de realização interior. Adaptadas ao imediatismo da sensação encontram-se distantes do significado da harmonia em considerando-se que os seus objetivos são tormentosos momentos de exaustão pelos sentidos, não possuindo sensibilidade para detectar as emoções superiores do êxtase, da elevação psíquica, das paisagens imateriais dos mundos transcendentes, onde não existem a dor a frustração, a morte, as ausências... Todos aqueles que se propõe sempre a negar a imortalidade da alma, procurando demonstrar que a vida material sintetiza a realidade do existir; enfrentarão, naturalmente, o próprio despertar além das sombras angustiantes dos processos de fixação perturbadora, a que se deixaram conduzir. Poderoso, inevitável, o tempo acompanha o desaparecimento de tudo e de todos, as suas transformações, decadências, glórias e vicissitudes, até o momento da morte, quando abre os painéis da vida exuberante, inalienável, propondo novos cometimentos e realizações futuras, em nome da Harmonia, da Beleza que predominam no Universo.
Vianna de Carvalho (espírito)


MEIOS E FINS

A criatura surge no cosmo com a predestinação de gravitar rumo ao foco da Onipotência. Escapa totalmente à percepção imaginar sequer o que seja e como se desenrola essa trajetória através da noite dos tempos, para usar a linguagem rica e simbólica das Escrituras. O que o homem pode vagamente perceber, ajudado pelas luzes do Consolador, é que, quando envereda pelas tortuosidades da encarnação, a caminhada se alonga quase infindavelmente e se entranha de peripécias cuja aspereza dilacera na proporção em que se desvaira nos desacertos do livre arbítrio, que o conduzem aos paroxismos da impenitência, do orgulho e do niilismo. 
Nessa alternativa, mergulha nos carreiros da forma adensada, onde passa a sofrer as injunções da lei de ação e reação e a ter de manejar instrumentos de materialidade grosseira, no esforço penoso e inelutável de reajustar-se às harmonias de que se apartou. Eis, num golpe de vista, a posição da humanidade que habita este planeta sublunar, às voltas com os trambolhos engendrados por sua própria insensatez, o que, ainda de quebra, num gesto de extrema soberbia e ignorância, ela prefere atribuir aos meneios de um acaso cego e caprichoso ...
Indubitavelmente, a luta maior e ingente do homem é vencer as inibições e fobias que ele mesmo forjou e alimenta com muito fervor, e com as quais se diverte macabramente: a negar e a tentar destruir a própria essência de eternidade. É assim que, por muito que com isso se apoquentem os negativistas, desde os mais remotos registros da história da humanidade se denota a atração incoercível que sobre ela exercem os arcanos da religiosidade, que a faz estar sempre desconfiada de que existe alguma coisa além da morte. Nesse anseio, o homem se desencasula igualmente através de um processo lento, sofrido e progressivo, ao longo do qual navega desde as formas estapafúrdias do mais primitivo fetichismo até as expressões mais alcandoradas da fé abstrata, como soem ser as que nos oferece a Doutrina Espírita. 
É com razão, pois, que os espíritas se ufanam em sublinhar que o Espiritismo é uma doutrina que supera os condicionamentos em que ainda se demoram os credos que o antecederam na cronologia terrena e, por isso, abre mão dos recursos que lhes são ainda parte integrante e indispensável de suas manifestações, tais como símbolos, amuletos, ritos, paramentos, escapulários, incenso, liturgia, dogmas, sacramentos, templos, sacerdócio hierarquicamente organizado e quejandos. .. São meios que não se compadecem com os fins espiritualizados e espiritualizantes da Doutrina. Contudo, parece que seus profitentes não estão tão certos assim quando se trata das práticas a empregar em atividades que são complementos valiosos, mas que, dadas as contingências da materialidade em que estão mergulhados, costumam confundir os critérios de valorização e de prioridades, o que leva, com muita frequência, e parece que despercebidamente, à adoção de meios que não se compatibilizam com os alvos altanados do Espiritismo. 
Tal apontamento se ajusta primacialmente às iniciativas de cunho assistencial mantidas pelas instituições espíritas; no afã de realizar o que reputam um dever, não vacilam em se valer de meios que, sem dúvida, proporcionam os elementos de que necessitam, mas que, bem pesados, são antinômicos aos princípios e postulados da Doutrina. A questão é, realmente, grave e séria. A bússola do espírita, porém, não é difícil de ser encontrada, nem está fora de seu alcance. Basta ter como assentado que, em Espiritismo, os fins não justificam os meios... 

Editorial do Reformador (FEB) em julho 1974