A criatura surge no cosmo com a predestinação de gravitar rumo ao foco
da Onipotência. Escapa totalmente à percepção imaginar sequer o que seja e como
se desenrola essa trajetória através da noite dos tempos, para usar a linguagem
rica e simbólica das Escrituras. O que o homem pode vagamente perceber, ajudado
pelas luzes do Consolador, é que, quando envereda pelas tortuosidades da
encarnação, a caminhada se alonga quase infindavelmente e se entranha de
peripécias cuja aspereza dilacera na proporção em que se desvaira nos
desacertos do livre arbítrio, que o conduzem aos paroxismos da impenitência, do
orgulho e do niilismo.
Nessa alternativa, mergulha nos carreiros da forma adensada, onde passa
a sofrer as injunções da lei de ação e reação e a ter de manejar instrumentos
de materialidade grosseira, no esforço penoso e inelutável de reajustar-se às
harmonias de que se apartou. Eis, num golpe de vista, a posição da humanidade
que habita este planeta sublunar, às voltas com os trambolhos engendrados por
sua própria insensatez, o que, ainda de quebra, num gesto de extrema soberbia e
ignorância, ela prefere atribuir aos meneios de um acaso cego e caprichoso ...
Indubitavelmente, a luta maior e ingente do homem é vencer as inibições
e fobias que ele mesmo forjou e alimenta com muito fervor, e com as quais se
diverte macabramente: a negar e a tentar destruir a própria essência de
eternidade. É assim que, por muito que com isso se apoquentem os negativistas,
desde os mais remotos registros da história da humanidade se denota a atração
incoercível que sobre ela exercem os arcanos da religiosidade, que a faz estar
sempre desconfiada de que existe alguma coisa além da morte. Nesse anseio, o
homem se desencasula igualmente através de um processo lento, sofrido e
progressivo, ao longo do qual navega desde as formas estapafúrdias do mais
primitivo fetichismo até as expressões mais alcandoradas da fé abstrata, como
soem ser as que nos oferece a Doutrina Espírita.
É com razão, pois, que os espíritas se ufanam em sublinhar que o Espiritismo
é uma doutrina que supera os condicionamentos em que ainda se demoram os credos
que o antecederam na cronologia terrena e, por isso, abre mão dos recursos que
lhes são ainda parte integrante e indispensável de suas manifestações, tais
como símbolos, amuletos, ritos, paramentos, escapulários, incenso, liturgia,
dogmas, sacramentos, templos, sacerdócio hierarquicamente organizado e
quejandos. .. São meios que não se compadecem com os fins espiritualizados e
espiritualizantes da Doutrina. Contudo, parece que seus profitentes não estão
tão certos assim quando se trata das práticas a empregar em atividades que são
complementos valiosos, mas que, dadas as contingências da materialidade em que
estão mergulhados, costumam confundir os critérios de valorização e de
prioridades, o que leva, com muita frequência, e parece que despercebidamente,
à adoção de meios que não se compatibilizam com os alvos altanados do
Espiritismo.
Tal apontamento se ajusta primacialmente às iniciativas de cunho
assistencial mantidas pelas instituições espíritas; no afã de realizar o que
reputam um dever, não vacilam em se valer de meios que, sem dúvida,
proporcionam os elementos de que necessitam, mas que, bem pesados, são
antinômicos aos princípios e postulados da Doutrina. A questão é, realmente,
grave e séria. A bússola do espírita, porém, não é difícil de ser encontrada,
nem está fora de seu alcance. Basta ter como assentado que, em Espiritismo, os
fins não justificam os meios...
Editorial do Reformador (FEB) em julho 1974
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