Em certas épocas parece que acontece uma espécie de
obumbração envolvendo a nossa seara. Gafanhotos, talvez, que vêm chegando
famintos de tudo e sem quererem saber de nada: ameaçam a sementeira e eclipsam
os céus, impedindo a passagem da luz dos muitos sóis que formam a coorte dos
Espíritos Superiores. Então começam a espocar crises, gente aparece em público
comprometendo a Doutrina, desentendimentos se registam e, o que é pior que
tudo, lançam por aí umas ideias esquisitóides, esdrúxulas, contrárias aos mais
comezinhos princípios da Terceira Revelação. São novidades bisonhas que
denotam, às vezes, a preocupação dos que nada fazem de quererem fazer qualquer
coisa, antes que os que fazem realmente algo possam terminar de fazer tudo, não
deixando nada para os que atrapalham. Lembro-me, por exemplo, dum cartãozinho
que no ano passado me mostraram com o retrato de certo médium: Tinha lacinho, letra
dourada, tudo que nem um santinho, para ser adorado e idolatrado pelos “Fiéis”
espíritas... É claro que o médium homenageado
- conheço-o muito bem - jamais pediria aquilo,
jamais concordaria com aquilo, se consultado fosse. Geralmente inventam essas coisas
sem ouvir o homenageado. E não tardaria a aparecer um outro ainda mais
empolgado com a ideia, pretendendo logo aprimorá-Ia: cunhar medalhinhas com a
efígie do médium a fim de ficar perpetuada a gratidão da família espírita pelo
muito que através dele temos recebido do Além. Logo pensei com meus pobres
botões: daqui a pouco mais, vão sugerir um cordãozinho para enfiar a medalhinha
e - não duvido! - aparecerão espíritas prontos a pendurá-lo ao pescoço. Só
faltaria mandar benzer, antes, numa sessão qualquer... Esquecem-se de que o
médium não deve ser incensado, não deve ser endeusado de nenhum modo. Essas
coisas mais não são senão sutis perigos que põem em risco a missão do mais
seguro medianeiro da Espiritualidade. Os médiuns verdadeiramente evangelizados
são os primeiros a repelir esses envolvimentos contrários à própria Doutrina
Espírita, os quais ressumam a velho ranço de vícios pretéritos, quando ainda
vivíamos sob o jugo da Igreja medieval.
Outra mania que não perdem é a de quererem criar
universidades, faculdades, academias, etc., de Espiritismo. De época em época
surge o desarranjo. O Alto naturalmente não empresta cobertura a esses voos,
que têm mais de vaidade e esnobismo que de trabalho e edificação, e os modernos
Ícaros lá vêm penedo abaixo, asas derretidas e penas ao léu...
Recentemente me trouxeram uma mensagem do Além
ditada por Carlos Imbassahy e endossada por Ismael, mandando todos apoiarem
iniciativa desse tipo, que objetiva a criação duma universidade de cultura
espírita! O Imbassahy, a quem conheci muito bem, deve ter largado, do lado de
lá, uma daquelas suas costumeiras piadas. Sim, porque dele a mensagem não tinha
nada, absolutamente nada. Meu modesto curso de Estilística foi bastante para
convencer-me de que não eram do autor de “À Margem do Espiritismo” aquelas
palavras. Imbassahy jamais escreveria daquele jeito. Principalmente por que...
Imbassahy sabia escrever muito bem, era notável estilista. Além disso, lá vinha
no meio da mensagem a referência a Ismael que, acentuava, não deixaria também
de apoiar a sensacional ideia. Estranho... Muito estranho que Ismael, que até
aqui em assuntos que tais só se têm manifestado na Federação Espírita
Brasileira, nada nos tivesse dito dessa vez...
No fundo, o que conseguem é deixar mal companheiros
como Imbassahy, porque a verdade é que sempre esses projetos mirabolantes
fracassam, como aconteceu mais esta vez.
Não sei se já repararam - não por nós, criaturas
encarnadas que estamos aqui eventualmente, de passagem, mas por ser a Casa de
Ismael - não sei se já repararam que a Federação Espírita Brasileira nunca
abona essas ideias um tanto fantásticas, às vezes faraônicas, não raro
personalistas. Reclamam da FEB. Até xingam. Ela porém não se altera. O epílogo
é sempre o mesmo: o sonho se esfuma, muita vez no ridículo; a FEB fica,
intocável e imortal. E com ela - deixem-me confessar - um trabalhão danado,
porque os Espíritos umbráticos que geralmente estão alimentando essas
megalomanias vão depois bater às portas lá do Grupo Ismael para reclamar, brigar,
ameaçar, etc.
Lembro-me dum companheiro que, há cerca de 10 anos,
projetara com o “apoio” do Alto (e Ismael, coitado, como sempre, também estava
nessa) uma Universidade piramidal, coisa assim inimaginável em termo de altura
e extensão. Era um confrade abastado e, diga-se, honesto, sincero, bem
intencionado. Andava era mal acompanhado. Um dia íamos pela rua Evaristo da
Veiga, que passo a descrever para o leitor que desconhece o Rio: ela vai do
Teatro Municipal, na Cinelândia, até os Arcos, na Lapa, estendendo-se talvez
por uns 500 metros. Um dos lados é tomado inteiramente pelo Quartel General da
Polícia Militar do Estado da Guanabara. É um prédio de 3 ou 4 pavimentos, tendo
ao centro um pátio enorme, muito amplo. Pois bem; nosso confrade, passando pelo
Quartel, ao meu lado, parou defronte, encompridou pelo quarteirão seu olhar
cheio de otimismo e me disse com a maior sinceridade desse mundo:
- Aqui é que devo levantar a Universidade Espírita.
O Governo localizaria a Polícia lá no subúrbio e nos entregaria o quarteirão.
Os Espíritos já me disseram que tudo vai sair bem.
E pedia a minha colaboração junto ao Governo, na
qualidade de Jornalista, para conseguir seu desiderato. Hoje, já desencarnado,
meu bom e ingênuo amigo com certeza se integrou no grupo de lidadores que nos
ajudam aqui em baixo, mas também deve ter caído em si e compreendido porque,
com habilidade, procurei naquela ocasião colocar algumas reservas ao seu
sonho...
Contudo, mais perigoso do que as invenções dessa
natureza são o que elas podem sugerir paralelamente. Depois das universidades,
das academias, etc., surgirão os Mestres, os diplomas, os reitores, os anéis de
grau, as bênçãos desses anéis, as solenidades de formatura, as festas
comemorativas, o baile, e não me surpreenderei se... Mandarem rezar a missa dos
formandos em Espiritismo. Por outro lado, na organicidade da parte cultural,
teríamos também ressuscitada a nefasta Escolástica, com todos os seus vícios e
um adendo ainda mais pernicioso: o patrocínio dos Espíritos de “luz”.
Não se confunda nada disso com o aprendizado
informal da Doutrina Espírita, nos lares ou nos centros, que é um imperativo da
própria Doutrina Espírita. Nem se misture meus reparos à conveniência - certa e
proveitosa - de se multiplicarem as chamadas escolinhas de Evangelho para as
crianças (a própria FEB mantém uma), bem como a divulgação de métodos didáticos
para orientadores de mocidades, métodos esses que cada instituição escolherá
segundo a sua vontade.
Mas, voltemos às novidades. Ando ultimamente muito
apreensivo porque me disseram que vão propor a criação do Dia de André Luiz (?!).
Não me assustarei se a ideia evolver e a proposição forem transformada em Dia
de Santo André Luiz. Do jeito em que as coisas vão tudo é possível. Depois
mandam modelar uma imagem de Santo André Luiz e acabarão patrocinando uma
quermesse para construção da Igreja de Santo André Luiz. Com a caixinha de
esmolas ao lado, e tudo o mais...
Ah, meu Deus, será que é tão difícil assim passar
uma vista já não digo nas cinco, mas pelo menos na principal obra de Kardec, “O
Livro dos Espíritos”? A Federação Espírita Brasileira faz um sacrifício
inaudito para editá-la a preço mínimo, a fim de que todos os espíritas possam
lê Ia, e ainda há quem não o tenha feito? Afinal, são apenas 1.018 perguntas...
Por seu turno, André Luiz, coitado, deve ficar num
constrangimento muito grande... Hino, ele já o tinha e agora vai ganhar um Dia.
Ele que chegou ao lado de lá e teve a maior surpresa do mundo (digo: do outro
mundo) ao perceber a total inversão dos valores morais, a ponto de ser chamado
de suicida, quando não havia dado nenhum tiro na cabeça. Ele que ficou um tempo
enorme de quarentena até poder ser aceito no trabalho de propagação da
Doutrina. Ele, coitado, deve estar apreensivíssimo, a orar pelos seus devotos,
que não tardarão a fazer do “Nosso Lar” um missal para ser recitado nos
domingos, ao dobre dos sinos que então já terão sido instalados no campanário
dos centros espíritas.
E, aproveitando o entusiasmo de alguns de meus
confrades, eu sugiro daqui a criação também do Dia do Gafanhoto. Cada um com a
sua ideia. É possível que outro lance a campanha para o Dia do Orador Espírita.
Outro idealize o Dia do Doutrinador. Mais outro quererá o Dia do Presidente do
Centro. Ainda outro mais lutará pelo Dia dos Desencarnados, em substituição ao
de Finados. Poderíamos ter também o Dia do Obsidiado. Eu, cá por mim, lanço a
ideia do Dia do Gafanhoto. Afinal, tenho as minhas razões. O gafanhoto é um
ortóptero que, no fundo, merece as nossas homenagens materiais, pois, se ele
não atacasse a seara, não saberíamos tão bem valorizar os benefícios da
colheita quando ela é protegida e preservada. Se a nuvem deles não
obstaculizasse a luz que vem do alto, não saberíamos medir o mal que a treva
tem. Ora, quem tiver ideia melhor que se apresente. E é só ter cuidado para não
acabar homenageado no Dia do Gafanhoto...
Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Julho
1970
Nenhum comentário:
Postar um comentário